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História do Freelancing em 5 minutos


Há vários anos, a minha tia, que é arquiteta paisagista, disse-me que, no futuro, as pessoas iam trabalhar por projetos em vez de terem um emprego regular. Ficou-me na memória porque o futuro daquela frase era o meu futuro, e, na altura, não percebi se isso seria uma coisa boa ou não; também não lhe perguntei.

Hoje ainda não temos essa resposta, mas é muito mais óbvio o que essa frase queria dizer. As carreiras são cada vez menos lineares, mesmo para quem trabalha por conta de outrem, e o trabalho independente é cada vez mais comum e mais atrativo.

É importante começar por dizer que uma parte dos freelancers não o é por escolha mas sim por força das circunstâncias, e está nessa situação de passagem; uma ponte entre trabalhos, ou uma experiência pela falta de opções. Trabalhar por conta própria é um caminho mais difícil, mais propenso à precariedade e desequilíbrio com a vida pessoal, tanto para o freelancer sozinho que pretende continuar a sê-lo como para o trabalhador independente que só o é na fase inicial de criar um negócio.

Lanças livres

O termo freelancer aparece pela primeira vez em romances escoceses (1809, The Life and Times of Hugh Miller de Thomas N. Brown; 1820, Ivanhoe de Sir Walter Scott) e referia-se a cavaleiros cuja espada não estava prometida (politicamente) a ninguém. Diria que seriam uma espécie de mercenários, mas apresentados de forma mais romântica e honrosa.

No Ivanhoe: “I offered Richard the service of my Free Lances, and he refused them—I will lead them to Hull, seize on shipping, and embark for Flanders; thanks to the bustling times, a man of action will always find employment.” e No The Life and Times of Hugh Miller: “But when the battle was hottest, Hugh Miller was a loyal combatant, not a free lance.”

Já quase nos anos 30, no livro The Inferiority Complex of Old Sippy, o autor, P. G. Wodehouse usa o termo “free-lance”, agora já com hífen em vez de duas palavras, para comparar a sua vida de editor, com um emprego, com a vida despreocupada de um escritor freelancer. Portanto, a adaptação do termo ao significado tal como o conhecemos hoje já vem de longe.

Etimologia

A palavra freelance, em si, vem do germânico Free, que significa “to love” + Lance, do francês antigo, que significa “lançar, atirar, descarregar”. A interpretação mais comum é que será “alguém que se atira, ou se lança àquilo que ama”, embora não seja consensual. Tal como disse: uma visão mais romântica.

Uma das coisas curiosas da palavra freelance é que, hoje, pode ser usada como nome (a freelancer), um verbo (to freelance), um adjetivo (freelance article) e um advérbio (I am now working freelance). Em português usamos o estrangeirismo de maneira mais limitada e, pessoalmente, continuo a preferir o termo trabalhador independente, apesar de ter demasiados caracteres.

Voltando à história.

Mudanças no trabalho

O final dos anos 70 e os anos 80, por causa dos avanços tecnológicos, fizeram sentir um pulo na forma como o trabalho acontecia (ou pelo menos na forma de pensar como ele devia acontecer). Empresas como a IBM começaram a contratar remotamente; em 1979 Frank Schiff escreveu um artigo para o Washington Post chamado Working From Home Can Save Gasoline (Trabalhar a partir de casa pode fazer poupar gasolina), onde propunha que se resolvesse o problema da poluição dos transportes e do custo dos combustíveis ao incentivar que se permitisse aos trabalhadores trabalharem a partir de casa, através do telefone. Outro investigador, Jack Nilles, depois de experiências na Universidade da Califórnia, oteve financiamento do governo americano para investigar o tema. É preciso imaginar que, nesta altura, muita gente viajava diariamente das áreas mais rurais para as cidades, para trabalhar, e isso causava inconveniência — parecia (tinha de haver!) uma maneira mais fácil.

Depois veio o ano 2000, o carregar no acelerador tecnológico e o aumento do interesse no empreendedorismo. Criar o próprio negócio ganhou um brilho diferente.

Em 2021 éramos 687.3 mil trabalhadores independentes (INE) em Portugal, mas este número, por si só, não é transparente porque primeiro, inclui todos os setores, desde a agricultura, produção animal, indústria e serviços; depois porque há uma parte (>10%) com dependência económica, o que chamamos de falso recibo verde. Também em Portugal, considerando que temos uma fatia de trabalhadores por conta própria que, dadas as circunstâncias dos seus negócios, optam por criar empresa unipessoal em vez de serem trabalhadores independentes, os números dos independentes não nos dizem muito sobre o empreendedorismo.

Nos últimos anos, primeiro a Grande Recessão (2008) e depois a pandemia (2020) forçaram muitos trabalhadores a encontrar novas soluções ou a procurar rendimento extra, ajudando a popularizar (e a romantizar) o trabalho em regime freelance.

Pela liberdade?

Quem se torna freelancer costuma fazê-lo com a perceção de que vai ganhar liberdade. Que pode fazer as suas escolhas sem responder a ninguém. Mas ser freelancer é sinónimo de ser livre? Nem por isso, porque há outras circunstâncias em jogo. Um cliente não é um patrão, mas exige responsabilidade, cumprimento de prazos, e entrega.

A promessa de flexibilidade de horários e geografia é extremamente tentadora, mas um retrato romantizado e limitado do que significa trabalhar por conta própria. Desde o início, como percebemos pela história da palavra, há um não-compromisso que lhe é associado, um não-dar-satisfações, mas quem já cá anda há alguns anos nisto sabe que o compromisso é fundamental para que resulte. Caso contrário, vamos ser engolidos pela insegurança dos rendimentos flutuantes.

Costumo dizer que, apesar de sermos uma minoria no mercado de trabalho, sentimos que somos muitos: para o mal – porque sentimos a concorrência – e para o bem – porque aprendemos a comunicar uns com os outros, a encontrar-nos e a formar redes.